Capoeira no Clube Escolar Engenho de Dentro: um relato de experiência

23-10-2010 17:13

 Capoeira no Clube Escolar Engenho de Dentro: um relato de experiência

Francisco Carlos Diamantino Coutinho

A capoeira foi eleita como uma das atividades do Clube Escolar Engenho de Dentro desde sua criação, há 16 anos. Acreditamos que isso tenha se dado em função da crescente procura por essa atividade na década de 90. Analisando o histórico da capoeira em sua trajetória por sua afirmação no Brasil, podemos constatar os inúmeros obstáculos enfrentados por ela até os dias de hoje. Nascida da interação entre as culturas africanas, indígenas e européias, a Capoeira desempenhou vários e distintos papéis em sua trajetória.

Há muitas controvérsias a respeito da titularidade da criação da Capoeira. Alguns historiadores afirmam ser criação dos negros africanos em sua terra natal, a partir da dança de zebra; outros acreditam que a capoeira foi criada em solo brasileiro sob a mesma influência, porém com movimentos muito peculiares no tocante ao disfarce da luta, além das influências culturais supracitadas.

É fato que a capoeira, nos seus primórdios, teve sua importância na luta e na marcialidade. Exerceu grande influência, se não incômodo, sobre o sistema escravagista brasileiro, chegando a ser proibida em 1835, com lei constante no código penal da época. Com o avanço da história e a libertação dos escravos anos após através da Lei Áurea (1888), a capoeira começou a demonstrar sua faceta “esporte”.

Mestre Manoel dos Reis Machado, conhecido como mestre Bimba, foi um dos grandes percussores desse movimento e também do chamado por alguns de “embranquecimento” da capoeira. Bimba criou um novo sistema de treinamento onde constavam regras de conduta, seqüências a serem memorizadas, graduação (mesmo que oficiosa) e novos golpes advindos de outras lutas. Desse modo, estabeleceu a primeira organização didática da Capoeira.

A instalação de academia e o “embraquecimento” da Capoeira, além das apresentações e desafios propostos por Bimba na época, geraram grande comoção ao povo brasileiro, mais especificamente ao povo baiano, que acompanhava de perto o avanço da capoeira a passos largos. Todo esse alarido, aliado à importante

participação dos capoeiras na guerra do Paraguai, sensibilizou o governo da época que resolveu “descriminalizar” a capoeira.

Em 1970, surge a primeira federação de capoeira e também os conflitos pelo poder na capoeira. O sistema até então criado de graduação e a capoeira desportiva foram sendo esquecidos ao longo do tempo e dando espaço à capoeira de cunho cultural, com a valorização das cantigas, danças e o folclore. Se de uma forma isso era reflexo de um conflito interno, por outro lado, para os expectadores, era um misto de violência e beleza.

Nas décadas seguintes o que se pôde observar, em todo território brasileiro, foi a explosão de academias de capoeira. No Rio de Janeiro, especificamente, ficou mais acessível às classes mais favorecidas, localizadas na zona sul, por exemplo. Esse movimento gerou uma disputa ferrenha pelos pontos de aula, gerando conflitos de ordem territorial, normalmente resolvidos pela força, que se apresentavam seja através de “visitas” às academias rivais ou de rodas de rua, sem regras e sem donos.

Porém, apesar desse momento triste da história, a capoeira também cresceu na luta por seus direitos e na divulgação da cultura negra. Capoeiristas de renome agregaram-se aos movimentos negros e à defesa dos mestres antigos, da cultura e da capoeiragem de maneira geral. Esse movimento culminou com o tombamento da Capoeira como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro, no ano de 2008, e também com o reconhecimento da profissão de capoeirista que tramita no congresso federal.

Para o Clube Escolar e seus beneficiários, crianças e adolescentes rigorosamente matriculados em escolas da Rede Pública de Ensino do Município e os pacientes do Instituto Municipal Nise da Silveira, mediante convênio entre SME e SMS, por conta da utilização do espaço, a capoeira é demanda real desde os dias de sua implantação. Na verdade, esta demanda teve sua origem na implantação do próprio programa de extensão desenvolvido pelo professor Carrano, ora denominado Clube Escolar.

No Clube Escolar do Engenho de Dentro, a capoeira começou a ser desenvolvida pelo Professor Waldemir Palhares Marinho, que tem uma grande vivência relacionada à capoeira e ao futebol, sendo essa última atividade sua especialidade

mais contundente. O trabalho desenvolveu-se muito bem, apesar da já conhecida rotatividade dos alunos pelas diversas oficinas oferecidas, sempre com muita procura e participação.

Entretanto, no que dizia respeito à continuidade, houve problemas para estabelecer a graduação das crianças na capoeira, visto que dentro das lutas em geral isso é feito por professores com a formação específica da luta e, no caso da capoeira, somente por mestres. Apesar de exímio capoeirista, o Professor Waldemir não tinha a graduação de mestre e não se sentiu a vontade para outorgar a seus alunos a graduação devida.

Esse embrolho fez com que a continuidade fosse abalada e o estímulo do professor fosse diminuído cada vez mais para a oficina de capoeira. Foi, então, que surgiu uma proposta do próprio professor para que a coordenação do Clube procurasse um professor de capoeira que pudesse graduar os alunos, na esperança de que houvesse uma continuidade do trabalho e a permanência dos beneficiários. Desse modo, o referido professor fora realocado para o futebol e o futsal, sua maior especialidade.

Assim houve a entrada do Professor Francisco Coutinho no Clube Escolar do Engenho de Dentro, na perspectiva de atender a essa demanda. No primeiro ano de trabalho, foi possível perceber o desenvolvimento do trabalho a despeito da rotatividade já mencionada, pois houve um retorno de alunos antigos e um crescimento dos alunos novos, frente à novidade da aula diferente.

Ao longo dos quase oito anos na referida oficina, cabe registrar um avanço paulatino das ações, pois o que era apenas o estímulo inicial motivado pela graduação, culminou para diversos eventos relacionados ao mundo da capoeiragem. As aulas obviamente eram, e ainda são, o núcleo básico da prática e condição para a inserção da oficina. Foi introduzido o maculelê como manifestação da dança/folclore, além da puxada de rede do xaréu, manifestações que marcaram o primeiro ano do Professor Francisco no Clube Escolar do Engenho de Dentro, tendo sido o mesmo convidado a organizar uma apresentação coletiva de todos os Clubes Escolares que tinham/tem a capoeira no rol de suas oficinas.

A apresentação no Miécimo foi assistida pelos alunos das várias modalidades de todos os clubes ao fim do Interclubes do ano de 25, o que fez abrilhantar o evento de nossa secretaria, ao passo que buscou fortalecer os diálogos entre os clubes através da co-participação em outros eventos.

Tal fortalecimento ocorreu no ano seguinte com o I Encontro de Artes Marciais, que, agora em 2010, vai para sua terceira edição, além do Torneio de Duplas de Capoeira. Com tudo isso, a capoeira começa a desenvolver, além de sua especificidade estética, a possibilidade esportiva há muito esquecida.

No momento, há seis alunos em estágio para se tornarem instrutores de capoeira, a reformulação dos uniformes do grupo, o site que está no ar divulgando todo o trabalho do grupo, além dos diversos eventos desenvolvidos fora do clube e aos quais os alunos também tem acesso, como apresentações diversas, trabalho junto aos DMs, saídas para a mata para escolher suas vergas (que constituem parte mais importante do berimbau, o arco principal) e a preparação de seu próprio berimbau.

Todo esse relato demonstra o sucesso possível de uma modalidade como a Capoeira no interior de uma Unidade de Extensão da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, desde que desenvolvida com profissional especializado, comprometido e voltado para o enriquecimento cultural dos alunos.

Referências Bibliográficas

CAPOEIRA, Nestor – Galo já cantou – Rio de Janeiro: Arte Hoje, 1985.

_______ – O pequeno manual do jogador de capoeira – São Paulo: Ground, 1981.

_______– Os fundamentos da malícia – Rio de Janeiro: Record, 1992.

MARQUEZ, Joel Pires – Capoeira Jogo Atlético Brasileiro – Monografia UFRJ/EEFD, junho/2001.

COUTINHO, Daniel – O ABC da Capoeira de Angola: Os manuscritos de Mestre Noronha – Brasilia DEFER: Centro de Informação e Docmentação sobre a Capoeira, 1993.